sábado, 30 de abril de 2016

Sliding doors

Uma vez vi um filme interessante com este título. Eram duas histórias paralelas. Numa, a protagonista - Gwyneth Paltrow - fugia do namorado e apanhava o metro, desenvolvendo-se a história a partir daí.
Noutro plano, via-se uma cena em que ela perdia o metro e voltava para casa e a história era outra.Muitas vezes a nossa vida não é nada do que planeamos...



Hoje aconteceu-me quase isso.

Tinha planeado ir com a Luisa almoçar à Tavi na Foz. Às 11.30 já íamos a sair, telefona a minha nora dizendo que tinha de ir ao hospital com o filho mais novo que estava com uma alergia grave. Perguntava se o o meu neto mais velho poderia vir cá.
Disse-lhe que o levava à Foz e assim fiz. Apanhámos o autocarro 200 em vez do 204, que para mesmo junto à Tavi. O 200 dá agora uma volta enorme antes de ir ao Castelo do Queijo, resultado, saímos muito depois , a meio da Rua de Gondarém. Descemos até à Av. Brasil e parámos mesmo em frente do restaurante A Máscara. A tentação foi grande, resolvemos ir comer uma fondue. Estava lindo, mas um ventinho de norte bastante irritante. Lá dentro comemos bem e protegidos da frescura marítima.

Se estivéssemos sozinhas teríamos ido até à esplanada tomar um café e apanhar sol, mas o meu neto estava cansado - a semana dele é enorme - e pediu-me para vir para minha casa. Assim foi.

O dia foi todo ao contrário do que estava planeado. Não apanhei sol nenhum...mas estive com os meus dois queridos e comi bem!!

quinta-feira, 28 de abril de 2016

The Prophet


aguarela de Kahlil Gibran
O amigo é a resposta aos teus desejos. Mas não o procures para matar o tempo! Procura-o sempre para as horas vivas. Porque ele deve preencher a tua necessidade, mas não o teu vazio.

Cada vez mais desesperadamente o homem procura dilatar o tempo que já não tem.

Vedes unicamente a vossa sombra quando virais as costas ao sol.



Sempre admirei o livro O Profeta, que considero um manancial de sabedoria extraordinária, expresso dum modo simples, mas com um conteúdo profundíssimo.

No casamento duma das minhas sobrinhas, foram lidas passagens deste livro relativas ao amor, que me impressionaram muitíssimo porque tão verdadeiras.

Estava muito interessada em ver o filme inspirado na personalidade, escrita e arte de Kahlil Gibran. Fui vê-lo hoje na primeira sessão.

Já há muito que não via um filme de animação que me agradasse.
E este superou as expectativas. É um hino às palavras - aos poemas de Kahlil Gibran - à cor, à aguarela, aos desenhos, ao movimento, à espiritualidade, à Vida e à Morte, à Natureza, à Liberdade e à Paz...um espectáculo de música , luz e cor que nos envolve durante uma hora e um quarto e que passa num instante, deixando uma memória visual arrebatadora.

Estávamos as duas sozinhas na sala e o silêncio era total. Daí ouvirmo-nos a chorar comovidas no fim. Nunca tinha visto a minha filha chorar num filme e quase que me senti incomodada e aflita. Démos as mãos e estávamos em uníssono. Não havia tristeza, apenas comoção.

O filme é ficção e o enredo simples. As figuras fazem lembrar as personagens da Disney  e o mundo árabe, onde a liberdade de expressão não existe e é severamente castigada.

O diálogo entre o prisioneiro e o povo que o ama é feito através de poemas, canções e imagens duma beleza exemplar.

Mustafá nunca se cala, mesmo quando é obrigado à reclusão e condenado à morte. O povo adora-o e não acredita que ele possa desaparecer. 


( Khalil Gibran ( 1883-1931) foi um ensaísta,filósofoprosadorpoeta,conferencista e pintor de origem libanesa. Seus livros e escritos, de simples beleza e espiritualidade, são reconhecidos e admirados para além do mundo árabe. Viveu grande parte da sua vida nos EU, para onde emigrou com a sua Mãe e irmãos.
Khalil Gibran produziu obra literária acentuada e artisticamente marcada pelo misticismo oriental. A sua obra, acentuadamente romântica e influenciada por fontes de aparente contraste como a BíbliaNietzsche e William Blake, trata de temas como o amor, a amizade, a morte e a natureza, entre outros. Escrita em inglês e árabe, expressa as inclinações religiosas e mística do autor. A sua obra mais conhecida é o livro O Profeta, originalmente publicado em inglês e traduzido para cerca de vinte idiomas.




O Amor não escolhe lugares



Um bom dia, com sol....

segunda-feira, 25 de abril de 2016

O coração do Porto

de Helder Pacheco:

Eu vivo num arrabalde de mim próprio. E passo a explicar: para um portuense nascido e criado na Rua do Correio, no coração da Baixa, viver na periferia deste universo fantástico é exilar-se da sua substância. Ainda assim, tenho sorte por habitar dentro do Burgo. Se tivesse ido parar aos confins suburbiais, era bem pior. Apesar de contemplar o rio e o mar, e estar rodeado de bosques e outonos deslumbrantes, não é cidade. É uma colecção de condomínios e espaços de estacionamento.
Porque uma cidade (ao menos para mim) são ruas com lojas, cafés, tascos, quiosques. Passeios com a gente a cruzar-se, saudar-se e conversar. Aromas, cheiros e ruídos das lojas. Falares e vozeares na partilha dos espaços comuns. Homens-estátua, cauteleiros, vendedores ambulantes, tocadores de música e até pedintes e penduras. Uma cidade são varandas com flores, granitos lavrados, anúncios, letreiros, cartazes. Semáforos e trânsito. Como no bairro onde moro, além da paisagem, só há solidões, vazios, silêncios sepulcrais, ventanias enregelantes, dilúvios de água correndo no asfalto, quando chove, e assaltos a automóveis, longe da Vitória e de Carlos Alberto, onde me nasceram os dentes, sinto-me fora de mim.

domingo, 24 de abril de 2016

William Shakespeare - 400 anos da sua morte


Shakespeare foi sempre para mim um mistério. Mas estudei-o a fundo na minha juventude. Li treze peças, vi três peças em Inglaterra, vi não se quantos filmes, enfim...

Pouco se sabe dele, a sua bio é reinventada década a década, confundem-no com outros grande dramaturgos como Marlowe, atribuem-lhe peças desconhecidas, personagens fictícias, histórias rocambolescas.
Fizeram-se filmes hollywoodescos das suas peças, que tinham tudo menos a verdadeira essência do bardo.
Mas Shakespeare continua a ser o maior dramaturgo de todos os tempos e cada verso seu é uma manancial de sabedoria.

Nos anos 90 fiz uma sessão um congresso da APPI em que me dediquei a Shakespeare, não na sua totalidade, mas dando exemplos de como se poderia introduzir um tema tão difícil com alunos pouco habituados a ler em inglês. Felizmente, meses depois os programas foram revistos e a rubrica saiu.
Démos um suspiro de alívio. Anda tenho o manual Prime Time 11, em que um dos capítulos é tratado com alguma arte e leveza.

Quando preparava essa sessão, resolvi ir à internet e encontrei pano para mangas. Havia de tudo, desde resumos das peças, peças simplificadas, foruns de discussão, ajuda para trabalhos projecto, etc. Entretive-me a ler algumas das FAQ - perguntas mais frequentes - e diverti a plateia mostrando no retroprojector algumas perguntas com respostas inusitadas.

Q: Does anyone know how many characters die at the end of Hamlet?
A: I wish I knew it!

Hoje encontrei um sketch espectacular entre Rowan Atkinson e Hugh Laurie, em que se discute o tamanho de "Hamlet" . Para quem percebe inglês isto é de morrer a rir.

Cortar ou não cortar o to be or not to be da peça , eis a questão!


O humor inglês é o remédio mais salutar para os domingos monótonos!!

Long live SHAKESPEARE!

sexta-feira, 22 de abril de 2016

God save the Queen....down memory lane

Quando tinha 4 anos, em 1950,  fui para um colégio inglês como todos os meus irmãos mais velhos. O colégio chamava-se Queen Elizabeth School e ficava numa rua antiga e estreitinha; era uma quinta senhorial, solene e bastante envelhecida. O edifício - ainda me lembro - era enorme, com corredores altos e compridos. O refeitório tinha mesas compridas e bancos corridos. O jardim tinha um gradeamento enorme, onde uma vez tive um acidente bastante chato.


Logo no primeiro dia fiquei aterrorizada. Puseram-me um copo de leite à frente à hora do lanche. Detestava leite, já não o bebia desde os meus oito meses, segundo a minha Mãe, e vomitei tudo. Foi o primeiro trauma naquela casa.

Na 1ª classe, a escola mudou para o edifício de Alvalade, onde ainda hoje se encontra. O edifício era novinho em folha, estávamos nos anos 50, no pós guerra e o ambiente era de alegria e respeito pelos Aliados, sobretudo pela gloriosa Inglaterra, que tinha ganho a guerra.

Habituei-me desde pequena a considerar esse país como nosso irmão, cantava o God Save a plenos pulmões na Assembly logo pela manhã, olhava para a foto da Rainha por todo o lado e o meu patriotismo era duplo. De manhã era portuguesa, à tarde inglesa...

Em 1956 mudei para o Liceu Maria Amália no coração de Lisboa e o contraste foi total. Custou-me muito a adaptar e senti-me perdida numa instituição salazarenta e sem liberdade de espécie nenhuma. Detestei os 4 primeiros anos e só comecei a sentir-me gente no 6º ano quando pude estudar as cadeiras de letras, as minhas preferidas, entre elas o inglês, que tão mal ensinado era nessa altura.

A Rainha veio a Lisboa em 1957 e fomos todos para a janela do consultório do meu Pai que ficava na Av. da Liberdade para ver o coche passar. O meu Pai filmou tudo. Foi emocionante.

Hoje a Rainha faz 90 anos.
Nunca pensei que se conservasse no poder por tantos anos, a minha vida inteira, quase. Mas este facto prova que os ingleses são extremamente fiéis às suas crenças, tradições, liberdades. Gosto deles.

GOD SAVE THE QUEEN!

Esta entrada foi escrita a 21 /4, antes da meia-noite.

quinta-feira, 21 de abril de 2016

mensagem


recebida hoje via email dos meus amigos Estermann:

Chère Virginia
Encore une fois un merci immense, que tous nous à donner la possibilité de ce revoir et rencontrer.
La semaine Portugaise n'est pas encore terminé et nous sommes déjà plaine des impressions si fort et agréable.
J'ai bien lu ton blog, - merci au traducteur Google - qui est très intéressante. Depuis mon enfance j'ai beaucoup entendu de ma mère de ses "ans portugaises". Après cette semaine, tous ses histoires devient vivantes, cars les noms ont reçu une personne réelle.
Encore une fois - merci beaucoup et à la prochaine.
Très amicalement
Roland & l'équipe portugaise ;-)


Como diz respeito ao blogue, achei que devia incluí-lo aqui.




quarta-feira, 20 de abril de 2016

A Primavera já anda por aí




O Botânico resplandece. Já há flores aqui e ali.  O odor das mesmas inebria. Está calor e as nuvens não assustam. Sinto-me feliz.






terça-feira, 19 de abril de 2016

60 anos depois

Há uns meses escrevi aqui sobre um episódio da minha vida que se revelou extraordinário, o reencontro no FB com uma senhora, que passara dois anos, de 1956-58, na nossa casa em Lisboa, uma Fraulein chamada Nelly Annaheim, que ficou nossa amiga para sempre.
Nunca mais a vimos e não sabíamos como a contactar, pois entretanto casou e mudou de nome.

Fica aqui um extracto dessa entrada:

Há dias , uma das minhas irmãs recebeu através do FB um email duma senhora chamada Doris Estermann, que se dizia filha da Nelly e andava à procura da nossa família por causa da sua Mãe, que nunca nos esquecera.
Foi uma surpresa total. Enviava fotos da família já grandinha e  duas nossas em pequenas com a  nossa Nelly que agora tem 83 anos e  que, segundo ela, nos relembrava com saudades , pois tinham sido"os dois anos mais felizes da sua vida".


Ficou combinado então, depois de várias chamadas no skype que a Nelly, agora com 83 anos, os dois filhos e neto viriam em Abril até ao Porto e depois a Coimbra e Lisboa. Assim foi.

Anteontem encontrámo-nos no Hotel da Música aqui no bom Sucesso. Foi comovente. Parecia que nunca tínhamos perdido o contacto tal foi a empatia que sentimos pela família  toda. O enlevo com que os filhos tratam a Mãe e o empenho que puseram nesta vinda é exemplar.

Démos um passeio longo de autocarro hop on desde o Castelo do Queijo até à Ribeira. Como o trânsito estava muito intenso, pudemos contemplar longamente toda a marginal da Foz, o mar, os transeuntes, as crianças, as esplanadas, etc.

Na Ribeira saímos e procurámos o Chez Lapin onde eu queria jantar. Ficámos dentro, pois estava fresco, mas cá fora a vista era espantosa com o rio espelhado e o fim da tarde. Comemos muito bem, um bacalhau com natas, um naco de vitela e spaghetti regado com Monte Velho.





Quando saímos, a Ribeira parecia um cenário de ópera, dourado, iluminado, lindíssimo. Eles estavam maravilhados com a cidade.

Infelizmente,  estavam muito cansados, de modo que quiseram ir para o hotel, mas a minha filha e eu ainda ficámos um pouco a admirar o panorama.



Ontem enchi-me de brios e preparei um almoço indiano aqui em minha casa para a família Estermann e meus filhos. Comprei tudo a preceito no Jumbo e nada faltava: Caril de porco com legumes, e jinga Masaledar, um prato com gambas, tandoori e molho picante, que eles adoraram. Também havia papadoms e naan.

Os meus netos vieram da escola às 3. O Daniel tocou duas peças no violino que eles apreciaram muito. Foi mais um momento mágico.

Finalmente despedimo-nos - eles queriam ainda fazer umas compras e hoje partiram para Coimbra onde se vão encontrar com as minhas irmãs.

Há situações na vida que nos compensam de muitas outras onde o vazio se instala.






quinta-feira, 14 de abril de 2016

A Espera
















 O título é peremptório.
É preciso saber esperar. O filme centra-se no acto da espera.
Duas mulheres aguardam a vinda dum homem, mas não sabemos se ele chega a vir.

Os símbolos - Semana Santa celebrada a rigor na Sicília -  no início são inquietantes mas deixam algumas dúvidas no espírito do espectador que, no fundo, espera ( nos dois sentidos da palavra) que Giuseppe apareça dum momento para o outro.

O ambiente é fúnebre, faz lembrar os filmes de Manoel de Oliveira, a lentidão quase insuportável. No entanto a presença das duas mulheres, interpretadas por Juliette Binoche, de quem sou fã incondicional e Lou de Lagge, uma jovem com um rosto clássico quase renascentista, enchem a nossa impaciência e dão contornos mais nítidos a uma história de vida dramática, mas com laivos de felicidade.

Se não gosta de filmes lentos , é melhor não ir ver. Se o audiovisual, o pormenor, os gestos, os lugares e o ambiente o fascinam, então este é um filme para si.

Fica aqui uma das canções do filme, que acompanha,  para mim, uma das mais belas cenas do mesmo.

Leonard Cohen: Waiting for a Miracle.




terça-feira, 12 de abril de 2016

Pintura surreal


O Fb veio-me recordar que há 4 anos tinha pintado este quadro.

Lembro-me bem dele, ainda o tenho. Não quis retratar a Primavera, mas depois de acabado, consegui ver elementos desta estação muito nítidas no quadro: árvores, folhas, riachos, um pássaro, etc.

Hoje estive a pintar um quadro sobre a Foz para oferecer aos meus amigos suiços que vêm no próximo fim de semana. É figurativo. Muito diferente deste, mas também não me parece desinteressante.



E aqui um poema de José Régio, surreal também.

Canção de Primavera
Eu, dar flor, já não dou. Mas vós, ó flores, 
Pois que Maio chegou, 
Revesti-o de clâmides de cores! 
Que eu, dar, flor, já não dou. 

Eu, cantar, já não canto. Mas vós, aves, 
Acordai desse azul, calado há tanto, 
As infinitas naves! 
Que eu, cantar, já não canto. 

Eu, Invernos e Outonos recalcados 
Regelaram meu ser neste arrepio… 
Aquece tu, ó sol, jardins e prados! 
Que eu, é de mim o frio. 

Eu, Maio, já não tenho. Mas tu, Maio, 
Vem com tua paixão, 
Prostrar a terra em cálido desmaio! 
Que eu, ter Maio, já não. 

Que eu, dar flor, já não dou; cantar, não canto; 
Ter sol, não tenho; e amar… 
Mas, se não amo, 
Como é que, Maio em flor, te chamo tanto, 
E não por mim assim te chamo?

sábado, 9 de abril de 2016

Morte aos blogues e viva o FB


Cada vez tenho menos leitores - ou melhor, comentadores - neste espaço.

Reli várias entradas de há dois, três anos e em nada as actuais são inferiores ou menos interessantes, na minha modesta opinião. Pelo contrário, as fotografias são hoje bem melhores, as referências culturais idênticas, as críticas a filmes equiparam-se.

Não compreendo bem porque se dá este fenómeno.
Verifico também que, nos blogues que aqui aconselho, as entradas são cada vez mais esparsas, dá impressão de que os bloguistas estão cansados ou atarefados com outros afazeres.

Todos os dias há umas 100 pessoas que lêem o que escrevo, mas muito poucas a comentar. Atribuo este facto ao Facebook, que hoje em dia, desgasta a mente dos cibernautas e os faz perder muito do seu tempo.

Pessoalmente gosto mais de comentar nos blogues do que no FB, embora me dedique à fotografia dum modo especial e adore os sites do FB sobre a mesma.

Contribuo com fotos minhas todos os dias, por vezes sou recompensada com menção. As colagens das melhores são sempre bonitas como estas que aqui podem ver.



quinta-feira, 7 de abril de 2016

O abstracto


Pinto tanto abstracto como figurativo, há quem prefira o primeiro, outros o segundo.
Em matéria de fotografia, o mesmo se passa. Embora não goste de usar photoshop e outros meios sofisticados para modificar as fotos, uso muito o corte, a sintonização, o aquecimento das cores, a colagem e outros processos.

Há no FB um site chamado Abstract Photography para o qual já enviei várias fotos que considero estranhas, mas belas, muito semelhantes a quadros.

Estão aqui alguns exemplos extraídos de fotos do Botânico. Os reflexos na água tomam formas caprichosas e muitíssimo sugestivas.








Junto um poema de Álvaro de Campos que liga bem com esta noção de abstracto:

Não, não é cansaço... 
É uma quantidade de desilusão 
Que se me entranha na espécie de pensar, 
E um domingo às avessas 
Do sentimento, 
Um feriado passado no abismo... 


Não, cansaço não é... 

É eu estar existindo 
E também o mundo, 
Com tudo aquilo que contém, 
Como tudo aquilo que nele se desdobra 
E afinal é a mesma coisa variada em cópias iguais. 


Não. Cansaço por quê? 

É uma sensação abstrata 
Da vida concreta — 
Qualquer coisa como um grito 
Por dar, 
Qualquer coisa como uma angústia 
Por sofrer, 
Ou por sofrer completamente, 
Ou por sofrer como... 
Sim, ou por sofrer como... 
Isso mesmo, como... 


Como quê?... 

Se soubesse, não haveria em mim este falso cansaço. 


(Ai, cegos que cantam na rua, 

Que formidável realejo 
Que é a guitarra de um, e a viola do outro, e a voz dela!) 


Porque oiço, vejo. 

Confesso: é cansaço!... 

Álvaro de Campos, in "Poemas" 

segunda-feira, 4 de abril de 2016

.Wolfgang Tillmans - No limiar da visibilidade



Tinha prometido escrever sobre este fotógrafo alemão que apresenta em Serralves uma exposição de encher o olho dos fotógrafos que amam as meias tintas, os luscos-fuscos, o twilight...a indefinição.e o mar.

As fotografias quando ampliadas assumem o carácter de verdadeiros quadros, levando-nos ao sonho e ao infinito, para lá do próprio horizonte que representam. Perdemo-nos um pouco perante aquele céu imenso e o azul do mar.

Tive a sensação de estar a ver algumas fotos minhas- se as ampliasse , penso que adquiririam esse carácter imutável, que nos surpreende e atrai.

Fiquei sentada durante bastante tempo a contemplar algumas fotos mais oníricas, em que as cores se confundem e morrem umas nas outras...

Interessante, mas não genial.




 Transcrevo um parágrafo do folheto distribuido pelo Museu:

Para a sua primeira exposição em Portugal, Wolfgang Tillmans (1968, Remscheid, Alemanha) continua a expandir as possibilidades de receção da sua obra através de um reposicionamento radical das suas múltiplas dimensões. Em Serralves, presta especial atenção ao que descreve como as suas "Paisagens Verticais”, fotografias dos fenómenos naturais da luz quando o dia encontra a noite, o céu encontra a terra, a nuvem encontra o céu. Datadas de 1995 ao presente e impressas em escalas que vão das dimensões fotográficas estandardizadas à expansão panorâmica de quatro metros, as fotografias traduzem o potencial expressivo do apurado formalismo visual de Tillmans e o compromisso do artista com a fotografia tão inerentemente físico quanto imaterial. Na sua beleza perturbadora, produzida em parte pelos avanços técnicos dos fabricantes de câmaras, em parte pela insistência dos fotógrafos em permitir que esses avanços se vejam, criam um desafio aos cânones do "cool”, dominante na cultura visual dos nossos dias